Na Amazônia, iniciativas unem identidade e sustentabilidade para reforçar ensino nas escolas

Práticas pedagógicas que favorecem a identidade dos alunos com o próprio território tem melhorado indicadores educacionais e fortalecido o sentimento de pertencimento nas comunidades

Na múltipla Amazônia de 7 milhões de km², que ocupa cerca de 40% de toda a América do Sul, atravessando territórios de nove países, alguns indicadores são comuns, embora não devam ser naturalizados. A diversidade de cultura e identidade de uma população estimada em 37 milhões de pessoas — um terço delas com menos de 18 anos — convive com o paradoxo da rica biodiversidade e baixos indicadores sociais. Entre eles, está o nível educacional formal.

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Com texto de Daniel Nardin e imagens de Aline Fidelix e Marcio Nagano.

Esta série especial é uma iniciativa da plataforma Amazônia Vox, realizada em parceria com a Fundação Lemann e Motriz. O Programa Motriz Educação Amazônia conta com o incentivo da Fundação Lemann, Instituto Natura e Porticus.

De acordo com dados oficiais organizados pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em 2024, a média nacional de conclusão do Ensino Médio entre os países da Pan-Amazônia é de 69%. Porém, quando observada apenas a porção de área localizada na região amazônica, excluindo o restante do território, esse índice cai para 54%. O levantamento foi gerado a partir de indicadores oficiais da Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela, não sendo computados apenas os dados da Guiana Francesa, que tem apenas parte do território considerado no recorte da Pan-Amazônia.

No Brasil, a média nacional está abaixo da média dos demais países e chega a 53%. Porém, desce ainda mais para 48% quando considerada a região da Amazônia Legal, composta por nove estados (Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Maranhão, Mato Grosso, Rondônia, Roraima e Tocantins). Quando observadas as áreas rurais da região, a taxa de conclusão é ainda mais crítica: 33%.

Em relação ao nível de conhecimento no ensino fundamental, os índices são ainda mais distantes. Enquanto a média nacional de aprendizagem em matemática está em 13%, nos estados da Amazônia Legal o índice cai para 6%. Em relação ao aprendizado de leitura, a diferença persiste: 10% é a média nacional, enquanto a taxa é de apenas 5% na região amazônica.

No estudo “Educação na Região Amazônica”, o BID não só aponta problemas, mas também recomenda caminhos, inclusive relacionando diretamente a educação com a agenda climática. “A Amazônia está se aproximando de um tipping point ecológico, isto é, um ponto crítico e sem volta. Um novo modelo de desenvolvimento se tornou urgentemente necessário para manter a floresta em pé, conciliando a consciência ambiental e a criação de novas possibilidades econômicas além do extrativismo. O investimento educacional está na base desse modelo como um processo fundamental em todos os estágios da vida”, indica o texto.

“Os baixos índices de aprendizagem identificados na Amazônia estão parcialmente ligados à dificuldade de tornar o conteúdo das aulas relevante ou aplicável para os estudantes, do ponto de vista regional e cultural”, complementa o estudo.

Porém, em cinco municípios da região, três deles no Amazonas e dois no Pará, o caminho apresentado no estudo já é prática e tem gerado bons resultados. Em diferentes contextos e realidades, tendo em comum a floresta que se vive e se vê da janela das salas de aula, o processo de aprendizado entre professores e estudantes inclui a biodiversidade e a identidade cultural, tão presentes no cotidiano das crianças, dos adolescentes e de suas famílias.

Por meio de um programa desenvolvido pela Motriz com apoio da Fundação Lemann, Co-Impact, Instituto Natura e Porticus, cerca de 42 mil alunos já foram beneficiados, ao longo de três anos. “Especialmente na região amazônica, é importante considerar que, além dos desafios que temos em comum com outras regiões, enfrentamos o contexto atual das emergências climáticas, que afetam a população, e as oportunidades que a bioeconomia gera para a região. Por isso, esses estudantes precisam estar preparados para o futuro, numa relação muito íntima e de valorização que eles já têm com o território, em um diálogo que também faça sentido para eles por meio da educação”, explica Daniela Caldeirinha, vice-presidente de educação da Fundação Lemann.


A abordagem pedagógica que une o ensino formal da base curricular comum a todos estudantes do país com a realidade dos alunos — considerando o meio ambiente, a preservação e a sustentabilidade — faz ainda mais sentido ao observar que a região sediará, em novembro a COP 30, a 30ª edição da Conferência das Partes da Organização das Nações Unidas (ONU) para as mudanças do clima, em Belém (PA).

Para a pedagoga Adriana Guimas, uma das consultoras pedagógicas da Motriz, o ensino na região precisa levar em consideração a relação da população local com a floresta, os rios e a própria identidade. "A escola pode ser o ponto de partida para criar um pensamento crítico nos jovens, que entenderão a importância de manter a floresta de pé para garantir sua sobrevivência e a de suas comunidades. Na Amazônia, a escola é mais que um espaço de aprendizagem. Em muitas comunidades, ela é um ponto de encontro, de segurança alimentar, de fortalecimento da identidade, do sentimento de pertencimento e de discussão", avalia.

Para ela, somente dessa forma será possível não só avançar nos níveis de aprendizado, mas, principalmente, gerar maior envolvimento e compreensão dos temas gerais, “favorecendo uma cultura de reconhecimento e valorização do próprio território e de sua importância para a questão climática global”, destaca Adriana.


Entre as estratégias do programa está a incorporação da sabedoria tradicional nas atividades em sala de aula e complementares. "A Amazônia é um universo de povos: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, migrantes. Construir políticas que atendam a essa diversidade só é possível com diálogo e construção conjunta. É fundamental que esses conhecimentos sejam respeitados e integrados às novas políticas e pesquisas. Quando ignoramos isso, os projetos falham em alcançar o impacto desejado", alerta Adriana. 

É o que também aponta Daniela Caldeirinha, da Fundação Lemann, avaliando os resultados já obtidos com o programa da Motriz nos municípios da região amazônica. “A gente parte desses saberes tradicionais para construção das estratégias. Claro que temos um olhar para as políticas educacionais, existem conhecimentos importantes que todas as crianças precisam aprender, independentemente da região, para avançar na trajetória escolar. Mas, ainda mais importante é o contexto, e certamente é importante considerar suas referências, o conhecimento que está no território”, pontua Caldeirinha.

Embora na mesma região, os municípios de Ulianópolis e Moju, no Pará, assim como Itacoatiara, Manicoré e Presidente Figueiredo, no Amazonas, possuem realidades bastante distintas. Em comum entre eles, está a presença do programa Motriz Educação Amazônia, executado em parceria com as secretarias municipais de educação junto aos alunos, pais e professores. Nos próximos capítulos, serão apresentadas as iniciativas e alguns dos resultados já alcançados pelo programa.

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