NA AMAZÔNIA, DEBATE SOBRE MUDANÇAS CLIMÁTICAS DEVE INCLUIR COMBATE À DESINFORMAÇÃO



PUBLICADO EM 13 DE OUTUBRO DE 2023

BELÉM, PARÁ, BRASIL – A comunidade engajada em encontrar caminhos e soluções para conter as mudanças climáticas tem enfrentado um vilão que se propaga com velocidade, encontra novos caminhos e, ao contrário do “fogo de palha”, não acaba com facilidade. Pelo contrário, a desinformação sobre mudanças climáticas e a falta de conhecimento sobre as diferentes realidades na Amazônia persiste, constituindo um dos obstáculos para promover práticas sustentáveis na região.

Para contextualizar melhor, basta observar alguns dos dados reunidos e publicados no estudo Nova Economia da Amazônia, organizado pela World Resources Institute (WRI) com pesquisadores e instituições brasileiras e amazônidas. Segundo os autores, “as mudanças climáticas afetam negativamente a economia, atingindo de maneira desproporcionalmente elevada os países mais pobres e populações já vulneráveis”.

O relatório destaca que “atingir as metas previstas no Acordo de Paris e diminuir as emissões para frear o aquecimento global em 1,5°C exige investimentos da ordem de 2% do PIB mundial ao ano – até que seja atingida a estabilidade das concentrações de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera”. Caso isso não seja feito, o risco de ultrapassar a barreira de 1,5°C é maior, o que aumenta a necessidade de investimentos necessários para adaptação e substituição de processos intensivos em carbono, ou seja, a troca ou transição de processos que liberam muito carbono em suas atividades.

De acordo com o estudo, o papel do Brasil - e, em boa medida, da Amazônia - na contenção do aquecimento global é crucial, “especialmente no desenvolvimento de uma economia livre de desmatamento e degradação florestal, com produção agropecuária e industrial de baixa emissão de carbono”

Conforme destaca o relatório, o Brasil emitiu cerca de 67 gigatoneladas de dióxido de carbono (GtCO2) nas três últimas décadas. “Para cumprir as metas de emissões previstas no Acordo de Paris e frear o aquecimento global a 1,5°C, este estudo estimou que o saldo de emissões do Brasil entre 2020 e 2050 (carbon budget) não pode superar 7,7 GtCO2”, afirmam os autores do relatório. “Na Amazônia Legal, as emissões líquidas não podem ultrapassar 1,4 GtCO2 até 2050, redução de 96% em relação aos 36 GtCO2 emitidos nos últimos 30 anos”, destaca o texto, apresentando o tamanho do desafio pela frente.

AMANHÃ POSSO TER QUE EXPLiCAR PRO MEU NETO QUE UM DiA EXiSTiU CAMARÃO

Para quem vive e depende da floresta, os dados científicos são comprovados na prática. A elevação da sensação térmica e as dificuldades de a biodiversidade encontrar caminhos para sobreviver começam a dar sinais de alerta.

Foto: Marcelo Lelis/Amazônia Vox Celivaldo Correa, ribeirinho de Abaetetuba: prejuízo no comércio e esforço para combater fakenews em conversas com outros moradores.

“Aqui mesmo nós sentimos o efeito das mudanças climáticas, porque nós, uma hora dessas (a entrevista foi feita por volta das 17 horas), estávamos sentindo um vento frio. Depois que nós conseguimos trazer a energia para dentro da mata, suprimos um pouco a necessidade de aliviar o calor. A própria água do rio hoje é uma água quente, por isso também já vai afetando o marisco, já some o camarão, o peixe, porque a água está muito quente”. O depoimento é do comerciante Celivaldo Silva Corrêa, de 56 anos e filho de Abaetetuba. Ele relata ainda que, com certa frequência, perde vários produtos que estragam com mais facilidade com o calor, como ovos, açúcar e até farinha. “Esse calor deixa o ovo podre muito rápido e temos de jogar tudo fora”, relata.

Morador da região do Furo Grande, um dos rios que cortam as 72 ilhas do município, Celivaldo afirma procurar sempre saber informações sobre a floresta, e sobre o que vem acontecendo ao seu redor. E, assim, busca informar outros moradores. “Aqui a gente reúne no terço dos homens e ali mesmo, após a reza, aproveito para falar da importância da gente cuidar desse nosso ambiente, senão ninguém vai conseguir sobreviver. Muita gente não acredita, porque diz que leu na internet que não é verdade. Mas a gente vai mostrando e convencendo aos poucos. Fazemos nossa parte, mas as autoridades mundiais, tem que fazer sua parte também, destaca.

Com os holofotes internacionais voltados para a Amazônia de forma mais intensa, já que Belém foi escolhida sede do maior evento de mudanças climáticas do planeta em 2025 – a COP 30, da Organização das Nações Unidas, é preciso se apropriar dos conceitos, dos territórios, do lugar de fala, e participar. O morador, que reside na casa que serve de comércio há mais de uma década, afirma que os ribeirinhos também devem se apropriar dos conceitos, dos territórios, do lugar de fala, e participar dos debates.

“Sei que a COP é uma ferramenta de união, que tem vários países trabalhando em cima da mesma mentalidade, de não desmatar, de não poluir, de proteger a floresta, os rios. É uma união de todos os países com as pessoas falando só em uma meta: ‘vamos proteger’, porque amanhã poderei estar só falando para um neto ou bisneto que um dia um camarão existiu, mas ele não vai ter o camarão. Para ele ver, temos que proteger, não desmatar, não poluir”, diz. “Daqui a pouco a gente não tem mais água. Existem pessoas que a gente diz, explica, mas que elas veem rio desse tamanho e acham que não vai acontecer”, pontua Celivaldo.

MUDANÇAS CLiMÁTiCAS COMO FOCO DE DESiNFORMAÇÃO

Muitos que moram na Amazônia já começaram a perceber o impacto das mudanças climáticas. E com efeitos justamente onde elas dependem do básico para sobreviver: a natureza. Dados do relatório “Combate à Desinformação sobre a Amazônia Legal e seus Defensores”, uma iniciativa do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social e outras 10 organizações, sendo oito amazônidas, revelaram o alto volume de desinformação sobre a Amazônia que circula na internet, em sites e perfis nas redes sociais. De acordo com o relatório, isso impactou não somente o direito ao acesso à informação, mas também os recursos naturais e a vida das populações na Amazônia, seja na área urbana, nas cidades do interior ou em comunidades.

Foto: Marcelo Lelis/Amazônia Vox Sobra de poste é disputada por pedestres que aguardam ônibus nas calçadas. Cena típica de Belém, cada vez mais frequente, com calor mais intenso.

É PRECiSO QUE O CONHECiMENTO SOBRE EMERGÊNCiA CLiMÁTiCA E SAiA DA BOLHA DOS AMBiENTALiSTAS E ESPECiALiSTAS

“Nós queremos que os senhores conheçam o Brasil de fato. Uma viagem e um passeio pela Amazônia são fantásticos, até para que os senhores vejam que a nossa Amazônia, por ser uma floresta úmida, não pega fogo. Está exatamente igual quando foi descoberto no ano de 1500”. A afirmação circulou no final de 2021, por influência de grupos políticos na abertura do Invest in Brazil Forum, em Dubai, para descredibilizar as notícias sobre os índices de desmatamento na Amazônia veiculadas à época na imprensa internacional. Na contramão de a Amazônia ser realmente fantástica, a informação contraria o registro de mais de 75 mil focos de incêndios, além do desmatamento recorde na Amazônia Legal naquele ano. Em 2022, o número havia aumentado, de acordo com informações do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).

Nesse contexto, com o aquecimento do tema na esfera global (com perdão do trocadilho), as mudanças climáticas devem ser o próximo foco de uma nova campanha do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio). Diretora do projeto “Verificado” no Brasil, Roberta Caldo explica que a primeira fase da iniciativa foi desenvolvida para combater a desinformação sobre a Covid-19, durante o período de pandemia. “No primeiro momento, a Verificado trabalhou basicamente com desinformação relacionada à pandemia, e como a pandemia está sob controle, não é mais uma ameaça de saúde pública internacional, as Nações Unidas estão preocupadas com o rumo que a desinformação está tomando relacionado às mudanças climáticas”, afirma.

Foto: Arquivo Pessoal Roberta Caldo, do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil

O projeto trabalha para combater informações falsas sobre a temática escolhida, a partir de uma reflexão sobre a disseminação de conteúdos sem responsabilidade.

“Na medida que há pessoas contestando que as mudanças climáticas existem fica mais difícil que os países e governos adotem medidas efetivas de combate às mudanças climáticas. Por isso, é muito importante para a ONU combater esse tipo de desinformação”, pontua Roberta.

Ao longo de três anos, a Verificado realizou ações com a editora responsável pela Turma da Mônica, Agência Lupa, Gloob, Cartoon Network, Comitês Olímpico e Paralímpico Brasileiro, o médico Drauzio Varella e até dentro do Tinder. Também existe um trabalho com diversos cientistas e influenciadores digitais, já que a desinformação se propaga mais velozmente nas redes sociais.

“Sabemos que existem dois tipos de desinformação. Uma é repassada porque a pessoa não sabe que aquilo é mentira. A outra é criada e repassada com o propósito de provocar algum tipo de dano ou mal – a uma pessoa, organização, entidade ou país. Em inglês existem termos para estes tipos: misinformation (quando a pessoa não sabe que o dado é impreciso ou equivocado) e disinformation (quando a mentira foi criada e está sendo espalhada com o objetivo de provocar o mal). Desinformação e mentiras sobre mudanças climáticas podem ser extremamente danosas não só para a Amazônia como para o planeta todo”, alerta Roberta.

Para a ONU, a principal mensagem é: informação é poder. “E o poder de alertar e denunciar mentiras relacionadas ao clima, seja sobre a Amazônia, Cerrado, Mata Atlântica ou qualquer outro bioma brasileiro está em nossas mãos. Se você não souber de onde veio a informação, não compartilhe para não correr o risco de espalhar conteúdo que pode ser mentiroso ou incorreto”, conclui.

DEBATE DEVE TER MAiOR PARTiCiPAÇÃO LOCAL E LiNGUAGEM ACESSÍVEL

O tema mudanças climáticas é denso e utiliza muitos termos técnicos, números e dados, o que acaba afastando maior compreensão e participação das pessoas. Por isso, existem diversas iniciativas que apoiam ações para tornar a linguagem e o conhecimento mais acessível. Uma delas, que apoia a ciência nas mobilizações sociais e trabalha para esclarecer dúvidas e levar informações sobre as mudanças climáticas para as pessoas, a partir do conhecimento jurídico, é a LACLIMA (Latin American Climate Lawyers Initiative for Mobilizing Action ou, em tradução livre, Iniciativa de Advogados Latino-Americanos para Mobilizar a Ação Climática).

Foto: Arquivo Pessoal Ciro Brito, da Iniciativa de Advogados Latino-Americanos para Mobilizar a Ação Climática (LaClima)

“A gente precisa ter um protagonismo mais amplificado nesse debate de alternativas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Precisamos mudar uma visão histórica e antiga de que a Amazônia é o lugar do extrativismo do Brasil, de diversas fontes, e que amazônidas não têm soluções técnicas para propor”, afirma o coordenador do GT Amazônia da LACLIMA, o advogado Ciro Brito.

Para Ciro, o papel das instituições não governamentais é cobrar pela transparência dos dados e contribuir para que essa transparência se transforme em dados disponíveis para serem acessados. “E aí lembrando que não adianta, não é suficiente dar informação crua sobre os dados ambientais e territoriais. É importante tornar essa informação acessível à população. Alguns desafios que podemos citar no combate à desinformação são carência de meios de informação para alcançar mais amplamente a população da Amazônia, baixa capilaridade dos meios de divulgação que temos utilizado e do uso de linguagem difícil e distante de grande parte da nossa população. Mas o principal deles é sem dúvidas o de enfrentar a divulgação maciça de fake news que são financiadas fortemente por grupos econômicos”, destaca.

As redes sociais vêm se apresentando como a principal estratégia para desmobilizar a população em torno dessa agenda. “Tenho ouvido de especialistas que para avançarmos é preciso aumentar o impulsionamento de boas informações sobre meio ambiente e clima, para popularizar o conteúdo e ‘sair da bolha’, ou seja, conectar-se com diferentes interlocutores”, declara.

Ciro pontua que a maior aposta da instituição é justamente voltada para a produção de informações e evidências, e apoio à difusão sobre as mudanças climáticas. A finalidade é fazer sempre uma ligação entre o clima e a sociedade. “É preciso que o conhecimento sobre emergência climática e mudanças climáticas saia da bolha dos ambientalistas e especialistas e seja popularizado entre as várias camadas da sociedade. Só assim vamos ter engajamento suficiente para que as pessoas mudem suas posturas”, argumenta.

Termos usados na matéria

Atendendo orientação dos alunos da Escola Estadual Antônio Lemos, que revisaram esta reportagem, elaboramos um breve glossário, reunindo os termos que precisam de breve explicação e detalhamento.

Acordo de Paris
O Acordo de Paris é um compromisso global assinado por 196 países em dezembro de 2015, durante a 21ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 21). Estabelece metas para reduzir emissões de gases que causam o aquecimento global e promove a adaptação às alterações climáticas, visando um futuro mais sustentável. O objetivo é limitar o aumento da temperatura global bem abaixo de 2°C e buscar esforços para limitá-lo a 1,5°C.
Adaptação
O termo, quando relacionado às mudanças climáticas, significa ajustar nossas vidas e comunidades para lidar com os efeitos dessas mudanças, como temperaturas extremas e eventos climáticos mais frequentes. Envolve estratégias de proteção, preservação e manutenção da vida, apesar das mudanças climáticas.
Dióxido de carbono
O dióxido de carbono é um gás liberado quando queimamos alguns produtos, como gasolina e carvão, e até quando respiramos. Esse gás prejudica o planeta, pois age como uma 'manta', aprisionando o calor na atmosfera e causando mudanças climáticas que prejudicam a vida.
Mitigação
Mitigação é um termo muito usado nos debates sobre mudanças climáticas. Ele se refere ao conjunto de ações que tomamos para diminuir a quantidade de ações que prejudicam o meio ambiente, como a emissão de gases que causam o aquecimento do planeta.
PIB
O Produto Interno Bruto (PIB) é a soma de todos os bens e serviços produzidos durante um período, geralmente um ano. É usado para medir a atividade econômica e o tamanho da economia de um país, Estado ou cidade.

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