Por Alice Martins Morais
Conforme se aproxima da COP30 em Belém, que será em novembro de 2025, o debate sobre a emergência climática tem se intensificado. A Amazônia vive a pior temporada de queimadas em 17 anos e alguns municípios estão enfrentando secas severas dos rios, enquanto a fumaça percorre o país. Em meio a essa realidade e aos preparativos da maior conferência sobre mudanças climáticas do mundo, como fazer a cobertura jornalística do tema, incluindo a Ciência e vozes locais?
Essa foi a pergunta norteadora do Workshop internacional “Amazônia, ciência e vozes locais na cobertura jornalística climática”, realizado ontem (27), em Belém. O evento gratuito teve formato híbrido e reuniu comunicadores, jornalistas, estudantes e pesquisadores, sob a organização do projeto Amazônia Vox, em parceria com o Instituto Bem da Amazônia e a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
"Esta é a segunda formação que fazemos e acho que estamos vivendo um momento muito importante para ter mais qualificação, para que, estando aqui, em Belém, que vai receber a COP30, possamos fazer a cobertura sobre o que é discutido e decidido lá dentro. Que a gente entenda as discussões e faça as perguntas necessárias para não entrar em discurso pronto", disse na abertura Daniel Nardin, editor do Amazônia Vox, cofundador do Instituto Bem da Amazônia e membro da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC).
Interseccionalidade temática pode abrir portas
Para Andrew Revkin, jornalista norte-americano, é importante notar que as histórias sobre mudanças climáticas podem ser observadas a partir de diferentes ângulos. Pode abordar poluição do ar, mas também ser sobre comportamento e justiça social. "Qual é a história que é nova, grande e importante?", indagou.
Revkin compartilhou experiências vividas durante seus mais de 40 anos de experiência na cobertura ambiental e climática, desde viagens para Manaus (AM), em 1989, até o Polo Norte, em 2003, por exemplo. Dentre seus trabalhos, destacou o livro "The Burning Season", de 1990, que trata do assassinato de Chico Mendes e os conflitos por terra na região na época. A obra inspirou o filme homônimo, lançado em 1994.
"A Redação não é um lugar que se encaixa com as notícias de aquecimento global, é preciso ir a campo", ressalta Andrew Revkin.
O norte-americano foi repórter especial do New York Times e fundador e diretor da Iniciativa de Comunicação e Sustentabilidade na Climate School da Universidade de Columbia, além de integrar o Comitê Executivo da National Geographic Society e ProPública.
Dentre suas recomendações finais, o jornalista destacou que é importante colocar as pessoas no centro da narrativa, considerando o que está mudando em relação aos perigos, a exposição da população aos riscos e a vulnerabilidade social. "O risco climático como um enquadramento para sua história pode dar muitas formas de pensar sobre como reduzir esse perigo", enfatiza.
Aprofundar conhecimento sobre termos-chave
No painel “Vozes locais e a ciência na Amazônia: fontes para a cobertura climática”, a pesquisadora sênior da Embrapa e cofundadora da Rede Amazônia Sustentável Joice Ferreira ensinou alguns conceitos básicos que jornalistas devem entender para aprimorar a cobertura jornalística do tema.
Um dos pontos fundamentais, de acordo com ela, é distinguir fogo, queimada e incêndio. "O fogo é uma estratégia de sobrevivência das populações tradicionais indígenas. E a gente precisa diferenciar os conceitos, porque vemos que tem confusão na mídia. Fogo é um termo genérico, já a queimada é intencional, para fazer a roça", explica a pesquisadora. "O problema maior é quando os incêndios se descontrolam e vão para a floresta", complementa.
Outro tópico que ela chama atenção é a diferença entre as consequências dos incêndios no Cerrado e na floresta úmida, como é o caso da Amazônia. "Falar apenas sobre o focos de incêndio na Amazôia é um dado incompleto, porque depende de onde é ele aquele foco. Se é em uma área de queimada intencional, na roça, no pasto, ou extravasou para a floresta", alerta também. Saiba mais sobre os tipos de fogo aqui.
A partir de sua própria trajetória, a repórter do Núcleo de Rede da Globo em Belém, na TV Liberal, Jalília Messias, apresentou os desafios pela ótica do Jornalismo e chamou a atenção para a necessidade de continuar procurando mais conhecimento e desconstruir ideias que caíram no desuso. "A gente vive numa região imensa e complexa", assinala. Para ela, é essencial estar sempre aprendendo e informar com clareza para traduzir os assuntos de maneira objetiva à população.
Comunicação precisa envolver a população
Neta de Chico Mendes e bióloga, ativista ambiental e analista de conservação da WWF Brasil, Angélica Mendes, acredita que a Comunicação transforma e que não se pode desvincular o clima de justiça social. Por isso, é necessário ter engajamento de diversos atores nessa luta, não apenas para manter a floresta em pé, como para defender os modos de vida e a cultura das populações da região.
"A Amazônia não é essa floresta encantada como é vista de fora. Existem pessoas que vivem nesse território e que estão cuidando dele", declara Angélica Mendes.
José Kaeté, ativista e comunicador indígena, colaborou com essa percepção, observando que o trabalho jornalístico precisa condizer com os tempos e rotinas das comunidades que serão ouvidas. "Você precisa entender quais são os códigos daquela comunidade para, de fato, conseguir se aproximar e conversar com ela", aponta. No seu ponto de vista, a cultura pode ser também ser intermediadora nesse debate, levando a discussão sobre clima onde o jornalismo e a Academia não chegam.
Workshop internacional - Para esta edição, o Workshop internacional “Amazônia, ciência e vozes locais na cobertura jornalística climática também contou com apoio institucional da International Center for Journalists, através do programa Knight Fellow, Fundação Lemann, Associação de Jornalismo Digital (Ajor), Faculdade Estácio, Rede Amazônidas pelo Clima (RAC) e Produtora REC. Este é o segundo evento com realização do Instituto Bem da Amazônia. O primeiro ocorreu em 2023, dentro da programação dos Diálogos Amazônicos. A iniciativa integra uma série de ciclos que serão desenvolvidos para apoiar a formação e letramento climático para comunicadores e jornalistas locais.
Assista ao Workshop completo aqui:
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