Caminhos para melhorar a comunicação sobre mudanças climáticas - Episódio 3

Caminhos para melhorar a comunicação sobre mudanças climáticas - Episódio 3





11 de Outubro de 2023 - Belém, Pará, Brasil

Texto revisado pelos alunos da turma 1B da EEEFM Antônio Lemos, de Santa Izabel do Pará. Ilustração de Lenu e audiovisual por Suane Barreirinhas e Chico Atanásio. Esta série foi viabilizada através do programa Jogo Limpo 2.0, do Youtube Brasil e ICFJ. 

Para a professora adjunta da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal do Pará (UFPA), Ana Lúcia Prado, identificar o problema é o primeiro passo para as possíveis soluções no combate à desinformação sobre mudanças climáticas na Amazônia. “Existe uma infraestrutura que financia e que está na política, nas assembleias, câmaras dos deputados, nos governos. A desinformação serve a esses atores que não têm interesse que haja punição para quem rompe e entra em conflito com esse tipo de política pública que visa a preservação. Estamos em uma luta da informação”, afirma.

Para ela, a comunicação exerce um papel também muito importante no processo de legitimação e de compromisso com a democracia, já que as estratégias “desinformativas” estão cada vez mais sofisticadas e a disseminação de conteúdos falsos e distorcidos na internet é constante. Muitas vezes, as informações são divulgadas fora de contexto e impulsionadas pelos algoritmos das mídias sociais e até mesmo no meio jornalístico. Daí, Ana enxerga o papel fundamental do jornalismo comprometido com a ciência e a preservação ambiental e com respeito, sobretudo, às comunidades e aos povos originários que habitam esses espaços.

“Esse cenário requer que o jornalismo de precisão seja um objetivo a ser perseguido pelos profissionais da área. Checar, confrontar e problematizar informações, além da pluralidade de fontes são percursos que ornam de modo qualitativo o material jornalístico, com diferencial para enfrentar a sofisticação crescente da desinformação em tempos de Inteligência Artificial. Mais do que nunca precisamos de jornalistas que conheçam muito bem a Amazônia. O jornalismo declaratório tem contribuído muito para o ecossistema desinformativo, na medida em que não confronta falas e dados falsos emitidos por autoridades públicas, por exemplo”, explica a professora.

Uma das estratégias apontadas pela pesquisadora seria começar a discutir sobre as mudanças climáticas ainda no ensino básico nas escolas, para que a desinformação seja enfrentada por cidadãos e cidadãs com conhecimento sobre o que ciência tem avançado nessa questão.

“Além disso, é preciso investir nas estratégias de produção de notícias de qualidade, em jornalismo de qualidade, o que anda um pouco em queda, pois, muitos jornais sérios têm sucumbido ao ‘caça likes’ do infoentretenimento em detrimento da produção de material de qualidade sobre a questão das mudanças climáticas e da Amazônia. Falta cobertura de melhor qualidade, sobretudo, nos veículos da grande mídia. Hoje observamos que o jornalismo de melhor qualidade sobre mudanças climáticas e Amazônia é produzido por iniciativas independentes, fora do mainstream”, conclui.

Ativismo contra desinformação na periferia da Amazôna urbana

No que se refere ao meio ambiente, saber o que está acontecendo é fundamental para unir forças e combater ações ilegais. Nesse contexto, se informar e reivindicar uma fatia na tomada de decisões é uma reta em ascensão na Amazônia, e já existem iniciativas que são aliadas importantes no combate à disseminação de informações falsas. Em Belém, capital do Pará, é o caso do Francisco Batista, de 44 anos, mais conhecido como “Zeca TF”. Ele é um dos nomes à frente do Coletivo Tela Firme – uma analogia ao bairro da Terra Firme, um dos mais populosos da capital –, criado com o objetivo de dar visibilidade ao bairro no segmento do audiovisual.

“Há uma carência de informações objetivas. Essa discussão ainda está muito na esfera de bolhas. A dona de casa trabalhadora carece de informação, chega tudo muito pingado e não é suficiente para a gente estabelecer um debate, e esse desafio está posto para o Coletivo Tela Firme e diversas outras organizações da periferia. Podemos pegar um exemplo do processo eleitoral que mobiliza uma parte significativa da sociedade. Tem muita desinformação, a partir de informações falsas. Essa enxurrada de informações falsas chega a partir dos aplicativos de mensagem como o Whatsapp e usam o espaço para falar de ideologias inexistentes”, analisa o geógrafo, que atua com comunicação popular e milita pelos direitos humanos.

Para Zeca, a intenção agora é pautar as mudanças climáticas vinculando o assunto diretamente com a realidade da comunidade. Um exemplo prático disso é que o Coletivo Tela Firme há um tempo vem tratando de uma questão pontual, que atinge a todos que residem na Terra Firme: o Rio Tucunduba e seus afluentes. “Esse é um ponto de partida para entrarmos em outras questões”, acredita.

“As periferias são espaços segregados e que sofrem as maiores consequências com as mudanças climáticas, pois a população vive com o básico para manter um mínimo de dignidade e não reuniria condições para enfrentar as consequências da mudança climática como o super aquecimento, entre outras. A comunidade tem um papel fundamental no processo de mobilização para exigir justiça climática e lutar contra o racismo ambiental, que é latente nesses lugares onde a população negra, em sua maioria, é a que mais sofre com o processo de desigualdade”, conclui Zeca.

Também ativista pela periferia e pelo clima, o engenheiro cartográfico Jean Ferreira, de 29 anos, é co-fundador do Gueto Hub. O projeto, que iniciou com o objetivo de democratizar o acesso à leitura no bairro do Jurunas e Condor, ganhou novos desdobramentos e hoje conta com biblioteca comunitária, galeria de arte, museu, coworking e café. Mas a inquietude e necessidade de participar das discussões do próprio futuro levaram Jean para além das divisões territoriais de áreas de Belém. Atualmente, ele cumpre uma intensa agenda e protagoniza debates com juventudes sobre o clima. No início de 2023, chegou a organizar a primeira edição da “Cop das Baixadas”, utilizando o nome do evento de cúpula global para chamar atenção para maior participação das periferias nesses debates.

“Sei como as cidades amazônicas podem ser afetadas pela insegurança alimentar provocada pelas mudanças climáticas. Sobre esse tema, eu diria que a relação simbiótica entre as ilhas e interiores em relação às cidades da Amazônia deve ser preservada também. A exportação exagerada daquilo que nos mantém como cultura não pode ameaçar a nossa soberania alimentar e os nossos costumes regionais. Digo isso porque quanto mais se demanda enquanto mercado, mais se demanda da floresta, o que estimula monoculturas e o desmatamento não-controlado”, ressalta Jean.

Para Jean, a participação social ainda é um engatinhar das comunidades nas agendas de debate desse tema. “As mudanças climáticas conseguem abranger quase todos os segmentos, como cultura, saúde, educação, economia e sociobiodiversidade. Essa compreensão é recente e, conforme ganha força, o problema se torna uma oportunidade de resolver problemas crônicos das cidades, como saneamento, violência e até falta de senso de pertencimento local”, diz. “A Amazônia carrega uma grande responsabilidade como sede da COP 30 e precisará apresentar bons resultados de mitigação e controle do desmatamento, ao passo que também acelera mudanças necessárias, mas em tempo hábil de planejamento, o que pode trazer prejuízos também. Por ora, torcemos pela boa gestão”, finaliza.

Iniciativa mobiliza religiosos para combater desinformação climática na Amazônia

Para combater a desinformação com conhecimento de alta qualidade, a Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais no Brasil (IRI-Brasil) tem promovido uma série de imersões de grupos de religiosos dos estados da Amazônia Legal em treinamentos sobre mudanças climáticas e monitoramento do desmatamento. Em 2022 foram quatro ações com grupos de todo Brasil. No início de 2023 foi formada uma comitiva com lideranças evangélicas da Amazônia, que passou dois dias em São José dos Campos, no interior de São Paulo. No evento, dialogam com pesquisadores e conheceram estudos relacionados às mudanças climáticas, desmatamento na região e a tecnologia utilizada pelo Centro de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (CEMADEN) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

Além das palestras e dinâmicas sobre a temática, o encontro incluiu debate sobre preservação do meio ambiente de acordo com os preceitos da fé cristã. “Buscamos dar apoio às lideranças religiosas para que possam reforçar sua contribuição voltada à preservação do equilíbrio climático, à conservação e ao uso sustentável das florestas, além da proteção dos povos indígenas e das comunidades locais. Essa é uma pauta humanitária, que não tem lado. Temos fundamentos de nossa fé que reforçam o cuidado que precisamos ter com o meio ambiente e com o nosso planeta”, destaca Carlos Vicente, facilitador da IRI no Brasil.

Durante a imersão, as lideranças religiosas tiveram a oportunidade de entender melhor a atual situação dos eventos climáticos extremos e os dados de devastação das florestas no Brasil. “Apresentamos também iniciativas e incentivamos ações dessas lideranças em suas comunidades para superar esses problemas, protegendo nossa população, nossas cidades, nossos biomas”, disse Carlos. Ainda em 2023, a IRI pretende expandir as formações, com maior foco na região amazônica.

Além das formações presenciais, a IRI produziu, em conjunto com a produtora audiovisual Pindorama Filmes, o curta Amazônia Viva, de realidade virtual. Com imagens captadas em câmeras 360 graus e duração de dez minutos, roteiro e direção de Estevão Ciavatta e narração da cacica Raquel Tupinambá, a obra oferece uma experiência imersiva no coração da região amazônica. A plataforma também produz cartilhas voltadas ao público que atua, com perspectivas bíblicas do cuidado com o meio ambiente e metodologias teológicas para sensibilizar o público. A iniciativa já tem gerado resultados, como grupos de missões religiosas voltadas ao meio ambiente em igrejas, disseminando informação e até estruturando programas que buscam reduzir a produção de resíduos, aumentar a proteção de áreas verdes e o plantio de mudas ligado aos batismos realizados pelas instituições.

Juventudes unem esforços por mais engajamento e conscientização

Além de importantes instituições nacionais e internacionais, a sociedade civil vem se unindo para combater a desinformação. A engenheira sanitarista e ambiental, co-fundadora e diretora de Gestão de Projetos e Sustentabilidade da Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem), Karla Braga, destaca que a organização da sociedade civil sem fins lucrativos tem por objetivo fortalecer as juventudes amazônidas para mitigar os impactos das mudanças climáticas.

Esse trabalho é feito por meio da cooperação multissetorial. Um dos projetos foi o “A Maré tá pras Juventudes”, uma estratégia de fortalecimento dos territórios amazônicos a partir da perspectiva da Agenda 2030 pelos jovens, com foco na mitigação dos impactos da crise climática. Outra iniciativa foi o projeto “Rebujo”, com proposições baseadas em evidências e no fortalecimento da democracia e participação jovem. Outra ação do coletivo foi o “Horizontes para Jovens indígenas", que tem como objetivo a aplicação de um curso de empreendedorismo para jovens indígenas em aldeias dos territórios paraenses.

“Atuamos com advocacy nacional e internacional dentro das pautas da Governança da internet alertando sobre os impactos da desinformação nos territórios amazônicos, tendo participado em 2022 no IGF Ethiopia em uma mesa sobre as consequências da desinformação na Amazônia. Também, ao longo de 2022, executamos o projeto ‘Maré Mobilizadora’, uma jornada de formações online com desafios de comunicação e mobilização social que ofereceu prêmios em dinheiro e oportunidades únicas para as juventudes paraenses”, detalha Karla. Com base nas formações, semanalmente os grupos são desafiados a comunicar sobre o que aprenderam e a mobilizar seus territórios em prol das juventudes e da Amazônia, objetivando alertar sobre as diversas problemáticas do território, dentre elas, a desinformação.

A ativista e comunicadora indígena Luene Karipuna destaca o trabalho da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), onde a aliada nesse processo é a formação. As ações de capacitação de comunicadores no combate à desinformação ajudam a desconstruir os estereótipos sobre povos indígenas e mostra iniciativas dos seus territórios e realidades em várias plataformas e espaços.

“A COP 30 é importante que o mundo possa entender a emergência de cuidar da Amazônia, mas entendendo que na região existe uma diversidade de pessoas que já cuidam desse lugar chamado Amazônia. É necessário respeito aos seus territórios, aos seus modos de vida. Dar espaço para as vozes desses povos através da COP 30 na Amazônia será um momento importante aos movimentos sociais indígenas”, conclui Luene.

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