“Movimento Escola Viva” tem casa-laboratório que armazena mais de 8 toneladas de lixo - Episódio 2

“Movimento Escola Viva” tem casa-laboratório que armazena mais de 8 toneladas de lixo - Episódio 2

Casa-laboratório de Silvana utilizou oito toneladas de resíduos. Movimento que lidera busca levar educação ambiental com atividades práticas para "guardar" o lixo urbano em pequenas obras para a comunidade




Belém, Pará - 9 de Junho de 2024

Com reportagem de Daniel Nardin, imagens de Marcio Nagano e revisão pelos alunos da turma 2D, da EEEFM Antônio Lemos, de Santa Izabel do Pará. Esta série de reportagens foi viabilizada pela bolsa colaborAcción de investigação jornalística 2024, concedida pela Fundação Gabo e Fundação Avina.

Há três décadas, Silvana Palha une arte com soluções para os resíduos que costumam ir para o lixo comum. Ela tem expectativa que a COP traga mais que obras para Belém e deixe um legado de conscientização para reduzir a produção de resíduos, dando também um novo destino para o que é gerado na cidade, com reutilização. “As mudanças climáticas são naturais, mas o homem acelerou pelo nosso modo de vida. Espero que a COP chegue até as pessoas. Não adianta uma pessoa só, é um movimento que parte dos menores para os maiores, para as empresas e governos. Tem que ter investimento, principalmente em educação ambiental”, avalia.

Seguindo a linha de que “esperar não é saber”, como diz a canção popular, Silvana tem feito oficinas e aulas em escolas e centros comunitários. Mais do que falar - que já cumpre um papel importante de conscientização - ela busca ensinar, fazendo. A casa onde vive é um dos exemplos que apresenta nas comunidades. Uma casa que é um laboratório para reutilização de materiais descartados. 

Em cerca de 120 m² de área construída, ela utilizou 8 toneladas de resíduos, distribuídos em 8 mil garrafas de vidro, 400 garrafas pet, cerca de 150 mil sacolas plásticas e todo tipo de lixo seco, de escova de dente a caixa de isopor quebrada. “Essa casa é um esperançar para um mundo novo e um sonho que realizo todos os dias. É um laboratório para salvar vidas”, define.

Silvana Palha cria 'ecotijolos' em garrafas pet cheias de sacolas plásticas e outros resíduos. Foto: Marcio Nagano.

Distante cerca de 60 quilômetros do centro de Belém, a casa-laboratório fica na área rural de Santa Izabel do Pará, no meio da floresta, na estrada que liga ao distrito de Mosqueiro, que pertence à capital paraense. São dois quartos, varanda, banheiro, lavabo, cozinha e sala de estar e jantar. A altura chega a seis metros. Tudo feito com resíduos e com uma mistura de barro e capim, para unir os “ecotijolos”, utilizando cal para impermeabilização. Cada “ecotijolo” é feito de garrafas pet cheias de sacolas e embalagens de produtos como biscoitos, arroz e feijão. 

Com um pedaço de madeira, ela pressiona os resíduos até que a garrafa fique bem cheia e com menos espaço para o ar, tornando a estrutura sólida e sem deformidades. As garrafas pet, junto com caixas de isopor quebradas e também cheias de embalagens, formam a parte de baixo das paredes. O telhado é feito de madeira e possui um jardim, com ervas e plantas menores, que ajudam a resfriar o ambiente interno da casa. Por todo lado, é possível observar alguma reutilização para o que um dia teve uso e normalmente se vê em lixões ou largados em ruas e rios. 

Com amostras e fotos, ela lança um desafio nas comunidades em que atua. “Enquanto houver lixeira, vai ter lixões. A gente faz educação ambiental, pois muitas vezes as pessoas nem sabem se o que jogam fora pode ser aproveitado. Isso pode se aprender nas escolas, nas comunidades e é isso que a gente busca fazer”, explica. A Escola Viva em Movimento não tem local fixo e é itinerante. “Onde me chamarem, vou”, resume. 

Estudante de engenharia civil, Artur Jales participa das ações da Escola Viva em Movimento. Na imagem, um muro feito com caixas de isopor e resíduos. Foto: Marcio Nagano. 

Um dos últimos chamados veio de associações de moradores de dois distritos de Belém: Outeiro e Cotijuba. Após aprender a fazer o “ecotijolo” para construir muros e bancos, as comunidades estão guardando as garrafas para obter material e então colocar a mão na massa, ou melhor, no que um dia foi lixo. “Em uma escola vamos fazer bancos e um palco para um centro cultural de carimbó que fica próximo. Na outra comunidade, vamos recolher o lixo plástico da praia e então ver o que é mais urgente e construir. O mais importante está feito: eles viram que é possível. E é bem aquela máxima: o que os olhos não veem, o coração não sente. Eles precisam ver o que reduz de lixo, o que isso faz mal ao planeta e como podem utilizar de outra forma”, afirma. 

O estudante de engenharia civil, Artur Jales, participa das ações do Escola Viva em Movimento e acredita que o conhecimento na universidade ajuda nas construções e soluções. "Aqui mesmo na casa tem muitas técnicas de construção, tem muita pesquisa. Aqui tem muito uso do que a gente tem em nossa volta, sem agredir ao meio ambiente. O engenheiro tem que buscar isso, em soluões com o que tem em sua volta", afirma. 

Sem apoio da iniciativa privada ou pública, Silvana vive da venda de peças de arte, artesanato e ajuda de amigos. A dificuldade financeira do projeto ganha ainda mais peso com a descrença que enfrenta quando busca divulgar a iniciativa. “A solução existe e o caminho é não produzir mais lixo. Tem que zerar. Tem que mudar os produtos que consumimos. Enquanto isso não acontece, precisamos guardar nosso lixo, mas não em lixões e sim com a gente, reutilizando de outras formas”, aponta. 

Rosilda da Silva e o filho, Tiago são vizinhos da "casa-laboratório" e trabalham com as construções de tijolos. Foto: Marcio Nagano.

Para construir a própria casa e apoiar as oficinas, Silvana começou a gerar renda localmente. A família da vizinha de terreno, Rosilda da Silva, a “Margarida”, de 42 anos, é um exemplo. Ela e os filhos recebem diária para ajudar Silvana a fabricar os tijolos e erguer paredes e produzir móveis. A maior conscientização - que veio junto com a renda - fez a família deixar a produção de carvão, que era vendido na beira da estrada. “A floresta é importante pra gente e tiramos de lá muita coisa pro nosso sustento. Fazer carvão é duro, difícil e ainda derruba a mata, né? Com esse trabalho a gente entendeu mais isso e passou a ter uma renda, não precisa mais fazer carvão”, comentou. 

Para Silvana, a solução para o grande volume de lixo produzido nas cidades é um olhar mais local. “Começa na consciência de cada família em reduzir. Depois, o que foi feito, deve ser reutilizado numa quadra, num bairro. Tratar localmente o lixo gerado ali. Isso dá um novo destino e pode dar renda para muita gente. Mas, precisa de articulação, de vontade”, destaca. Outro ponto que a artista chama a atenção em relação aos inúmeros eventos pré-COP, que ocorrem quase semanalmente em Belém, é a prática da sustentabilidade. “Veja muito evento que se diz sustentável. Mas até o copo é descartável. Aí fica só na propaganda mesmo”, critica.

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