UM PROJETO

Convidamos alunos de 15 anos para revisar nossa reportagem. O resultado ficou (bem) acima do esperado

01/10/2023 00:21

Por Daniel Nardin, coordenador geral Amazônia Vox

“Olha, o seu texto até que está bom, mas tem muitas palavras que as pessoas não conhecem. Se você quer que elas leiam, tem que ser mais simples, substituir por algo mais compreensível. Senão a pessoa acha difícil e sai. Ou vai procurar o significado e acaba não voltando para seu texto”. Essa afirmação poderia ser feita por qualquer editor experiente que tem uma postura mais correta, diferente de outros tempos em que palavrão com crítica seria vírgula. Mas, não.

A fala acima foi de um dos estudantes de 15 anos da Escola Estadual Antônio Lemos, de Santa Izabel do Pará, com recomendações aos responsáveis pela primeira reportagem que será publicada na plataforma Amazônia Vox, ainda neste mês de outubro. O tema é tão complexo como urgente: O combate à desinformação sobre mudanças climáticas na Amazônia.

A partir da boa experiência com os 37 alunos da professora Marcela Castro, decidimos que será uma regra: todos os textos das reportagens especiais do Amazônia Vox serão revisados previamente à publicação por estudantes do ensino médio de escolas públicas. 

A ideia do experimento foi inspirada na iniciativa das pesquisadoras Renata Guimarães Moreira e Bianca de Sousa Rangel, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), que publicaram artigos científicos após os textos passarem por revisão de crianças de 8 a 15 anos. Foi após a leitura dessa ação (que pode ser conferida aqui), que resolvemos experimentar também com textos jornalísticos. Afinal, o jornalismo deve ser feito para as pessoas lerem, não só jornalistas e especialistas. 

“Os alunos ficaram eufóricos e tivemos um alto engajamento, com concentração e participação. Eles brincaram dizendo que era a vingança deles, de finalmente poder criticar um texto de alguém de jornalista, antes de estar publicado”, avalia a professora Marcela. Para ela, os assuntos das reportagens podem ser abordados de maneira interdisciplinar nas próximas atividades. 

“Por exemplo, é uma aula de português para busca de sinônimo. Pode ser uma aula de artes, para que eles produzam diferentes formas de linguagem para retratar o tema. O tema pode ainda render uma aula de química ou física, explicando os gases que foram citados e a dinâmica no globo. Em outras matérias, podemos envolver a matemática, para calcular porcentagem”, comenta a professora. 

Com essa iniciativa, o Instituto Bem da Amazônia, através dessa ação com a plataforma Amazônia Vox, pretende levar temas como esse e outros para um público que acaba tendo pouco contato com esses assuntos, justamente por estar consumindo menos notícias nos meios tradicionais, como afirma Marcela Castro.  

“As pessoas estão reduzindo o hábito de ler noticiário e as redes sociais acabam sendo fonte de informação. Quando trazemos dessa forma, informamos e sensibilizamos e eles podem construir outras narrativas e linguagens a partir do maior conhecimento do assunto, além de disseminar em suas comunidades”, destacou Marcela. Pensando nisso, a professora gravou um curto vídeo, com alguns alunos comentando o que aprenderam com a matéria. 

Com a atividade realizada e observação das possibilidades, está sendo formatado um projeto de educação midiática, com método e aplicação, para ser desenvolvido em escala.

Conheça todas as 5 etapas da atividade realizada em 2 semanas

Passo 1: Acertando com a professora

Com a ideia de encontrar estudantes para a revisão, partimos do básico: temos que primeiro encontrar uma professora disposta, engajada e que aplicasse a atividade com método pedagógico correto. Procuramos o professor Michel Pinho, que realiza aulas públicas pelas ruas de Belém, mostrando a história viva da cidade. De prontidão, ele indicou a professora Marcela Castro. 

Ao fazer contato com a professora, ela topou de imediato, com o entusiasmo que emociona e motiva. E combinamos de repassar para ela o texto, que está enorme, por sinal (12 páginas de word, fonte arial. 12!). Ela iria decidir como trabalhar em sala de aula e com o tempo certo que definisse. A gente, claro, iria aguardar. 

Passo 2: Atividade com os alunos

Na semana seguinte, a professora combinou com os demais professores e reservou parte da manhã para a tarefa com os alunos. Comprou, por conta própria, um lanche para animar a ação. Separou a turma em grupos e dividiu o texto entre eles, cada grupo com um “capítulo” da reportagem. Pediu que eles fizessem as seguintes atividades: 

  1. Leitura concentrada do texto, grifando as palavras, termos e parágrafos com dificuldade de compreensão.

  2. Buscassem sinônimos ou expressões que poderiam ser adotadas no texto para facilitar a leitura. 

  3. Deveriam enviar para a professora prints do celular (uma vez que a impressão iria envolver alto gasto de papel) com os pontos de melhoria. 

  4. Em grupo, discutiram e depois compartilharam com toda a turma o que aprenderam do texto que ficaram responsáveis.

  5. E, por fim, avaliaram a experiência de revisar um texto jornalístico antes de sua publicação e que seus nomes vão constar na reportagem como revisores-colaboradores e debateram a importância do jornalismo profissional para abordar temáticas como a que foi retratada no texto.


Passo 3: Reescrever é preciso ou… “Toma, jornalista!”

No total, os alunos apontaram 25 palavras, expressões e termos que tiveram dificuldade de compreensão. E sugeriram melhorias, que fizeram todo sentido. Não só alteração de palavras, mas inclusão de “pequenas caixas ao lado para explicar o termo”. Sim, um box resolve bem e melhora a diagramação. Também sugeriram inclusão de mapas, ilustrações e outras formas de linguagem que facilitariam a compreensão deles. E de “outras pessoas”, pois os alunos reconheceram a importância do tema e a necessidade de facilitar o acesso para um público mais abrangente. 

E aí, o jornalista ouvindo e lendo as sugestões, desce do seu pedestal de achar que escreve bem e percebe o quanto, às vezes, jornalista escreve para jornalista ou especialista. E não deve ser assim.

Abaixo, citamos 10 exemplos dos apontados pelos alunos. Aqui neste link, você acessa o PinPoint com todos os áudios dos alunos e descrição dos principais apontamentos. 

Mitigação e adaptação: Termos bastante usados na temática das discussões internacionais sobre mudanças climáticas, não poderiam ser simplesmente substituídos. Por isso, foi feito um box explicando o que eles significam nesse contexto. 

PIB (Produto Interno Bruto): Este é um clássico. Jornalistas estão tanto no automático que esquecem que muita gente não conhece o economês. E mesmo o quanto o conceito de PIB já é bastante questionado. Fizemos um box para explicar a sigla de maneira didática e resumida. 

Entraves: Como resumiu um dos alunos… “não pode só dizer obstáculo ou dificuldades e dá no mesmo?”.

Dióxido de carbono: Um dos alunos pediu, com razão, não só para explicar o elemento químico, mas o quanto ele é prejudicial e suas principais origens. Faz todo sentido, senão vira aquelas expressões que escrevemos achando que todo mundo sabe, mas, não. 

Flora, Fauna, bioma e biodiversidade: Dois alunos pediram que tivesse uma breve explicação sobre, para relembrar e que citasse a importância disso para a temática das mudanças climáticas. 

Pondera, perpetuada, conglomerado: Estas e outras palavras foram substituídas por sinônimos, mantendo a lógica do texto, mas deixando a leitura mais simples e direta. 

Mapa: Ao citar lugares onde estavam algumas das fontes ouvidas na matéria, os alunos sugeriram inserir mapa indicando de onde falavam. “Eu não conheço esse lugar, mas achei interessante. Aí é bacana colocar para eu ver onde ele está, pois tem o mesmo problema que aqui, mas pode estar longe”, ponderou, digo, resumiu um aluno. 

Ilustração: Os alunos sugeriram que o texto tivesse acompanhamento de fotos, vídeos e ilustrações, para “chamar mais a atenção e explicar melhor”. Felizmente, já tínhamos nos preparado para essas outras formas de linguagem e a série vai ao ar com tudo isso.

Repetição: “Desculpa, tio. Texto tá bom… mas teve um parágrafo que o senhor repetiu a palavra bioma cinco vezes. Aí não dá, né?”. O editor prefere reconhecer calado o erro e fazer a correção, sem maiores comentários :) 

Estrangeirismos: Duas alunas chamaram a atenção para uso de palavras e expressões que não reconheceram, como “mainstream”.

Passo 4: Publicação para reforçar sentimento de pertencimento

Quando for ao ar, a reportagem terá crédito com nome de todos da equipe. Incluímos também uma foto da turma, o nome da professora e link para este texto que você está lendo, onde inserimos abaixo também o nome dos 37 alunos da turma 1B da Escola Estadual Antônio Lemos, que agradecemos muito e queremos ampliar a iniciativa. Como fizeram parte do processo de produção da notícia, o conteúdo pode ter maior engajamento, sendo disseminado e repassado para suas comunidades. 

Alunos da Turma 1B da Escola Estadual de Ensino Médio Antônio Lemos, de Santa Izabel do Pará

Abigail da Silva Costa, Adrian da Silva Farias, Alice Fernanda dos Santos Chermiont, Alice Rayanne Souza dos Santos, Aline dos Santos da Silva, Alynne Lopes Ferreira, Ana Clara Marques Santana, Andrey Almeida Leal, Antonio Reginaldo do Amaral Nascimento, Brena Alice Gonçalves de Sá, Cristian Borges Oliveira, Dhenyfer Gisele Silva das Chagas, Elissandra Carolina Silva Araújo, Emilly Caroline do Nascimento Matias, Eric Gabriel da Silva Oliveira, Ezequiel Ribeiro Santa Brígida, Geovana Pinheiro da Silva, Geyziani Silva dos Santos, Giovani Coelho Correa Junior, Izabelly Karoliny de Oliveira e Oliveira, João Lucas Santos Conceição, Juliana Miyamoto Batista, Karoline Borges de Melo, Kauan Martins Santos, Leticia Silva de Sousa, Lucas Gabriel Ferreira da Silva, Maria Luiza Medeiros Pinheiro, Murilo Alves de Macedo, Naan Laad Barros Modesto, Queren Phammella da Silva Nascimento, Rodrigo da Silva Cardoso, Samilly Caroline Faro Almeida, Thais de Souza Paixão e Thatilelly Silva dos Santos.