Amazônidas repercutem escolha da presidência e diretoria da COP30

21/01/2025 14:20

Por Natalia Mello. Foto principal de Tânia Rêgo/Agência Brasil e Joédson Alves/Agência Brasil

Representantes de entidades que atuam na Amazônia na agenda climática repercutiram, nesta terça-feira (21), a escolha da presidênciae diretoria executiva da 30ª edição da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), que será realizada em Belém, capital do Pará, em novembro deste ano. O embaixador André Aranha Corrêa do Lago, atual secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, será presidente do evento; a economista Ana Toni, secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente, será a CEO e diretora executiva da COP 30. Os nomes foram anunciados após reunião com o presidente Lula e autoridades no Palácio do Planalto, também nesta terça-feira (21).

Para o coordenador-geral da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), Toya Manchineri, a escolha demonstra um esforço do governo federal, mas ainda não garante o que realmente a entidade espera: a centralidade dos povos indígenas nas discussões climáticas. “Sendo uma COP na Amazônia, é imprescindível que nossa voz, como guardiões históricos das florestas, esteja no centro do debate e das decisões. Por isso, a Coiab reivindica a co-presidência da COP 30, para assegurar que as soluções discutidas partam de quem vive e protege a floresta e defende o clima todos os dias. Sem isso, qualquer avanço será superficial, pois a crise climática exige soluções construídas com a nossa participação. Sobretudo após o discurso negacionista de Donald Trump sobre explorar cada vez mais petróleo e a saída do Acordo de Paris, nós, povos indígenas, não abriremos mão do nosso compromisso em defesa da vida”, afirmou Toya Manchineri.

Foto: Zeca Ribeiro / Câmara dos Deputados

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) saudou a nomeação e destacou a "ampla experiência em negociações e na agenda climática, confiamos que ele terá capacidade de liderar as discussões rumo a metas climáticas mais ambiciosas". Porém, reforçou que lamenta "profundamente que o Governo Brasileiro ainda não tenha atendido à nossa demanda por uma co-presidência indígena. A APIB reafirma sua reivindicação por esse papel, destacando a importância central dos povos indígenas na proteção dos biomas, da biodiversidade e, consequentemente, do equilíbrio climático. Nosso conhecimento ancestral e a defesa de nossos territórios são essenciais para enfrentar a crise climática global e garantir um futuro sustentável para todos", diz o texto.

Para Ana Rosa Cyrus, diretora executiva do Engajamundo, "o presidente da COP desempenha um papel essencial ao liderar as negociações e facilitar acordos sobre temas que são cruciais tanto para os países participantes quanto para a sociedade civil. Depois de muito tempo de espera, a escolha da presidência deixa mais perguntas do que respostas. O diálogo mais importante para o futuro do Brasil ainda não parece ser liderado por nós, juventudes, negros, povos indígenas, comunidades tradicionais, e grupos vulnerabilizados pelas escolhas que são feitas em espaços de negociações. Ainda não se vê o rosto que corporifique a luta diante das injustiças climáticas. Quais ações esperamos da presidência que são inegociáveis? O tempo é implacável, e é vital que a agenda da COP-30 seja resolutiva e transparente", pontua.

A diretora de Políticas Públicas e Engajamento na LACLIMA e co-fundadora da Rede Amazônidas pelo Clima (RAC), Caroline Rocha, lembra que a escolha do nome para a presidência era “um ponto sensível para a posição do Brasil no cenário internacional, e essa indefinição vinha causando ruídos entre os demais países membros da UNFCCC. Nesse contexto, a escolha do embaixador André Corrêa do Lago representa um passo estratégico e significativo para a contínua solidificação do Brasil como uma liderança global responsável na agenda climática", pontua.

Carolina acredita que a escolha de Corrêa do Lago é natural, devido à sua longa trajetória em negociações internacionais sobre mudanças climáticas. A pesquisadora lembra que o embaixador foi participante ativo da COP29 e em edições anteriores, trazendo consigo profundo entendimento do processo, o que permitirá que comece a atuar imediatamente, sem necessidade de adaptação ou perda de tempo. “Essa escolha representa um passo positivo não apenas para a credibilidade do Brasil no cenário global, mas também para a ambição e a eficácia dos resultados da COP30, alinhados com os objetivos climáticos internacionais". 

Para ela, a experiência e o conhecimento sobre os mecanismos da UNFCCC permitem que Corrêa do Lago lidere com eficiência, garantindo a continuidade do engajamento brasileiro em prol de decisões ambiciosas e bem articuladas. “A definição da presidência também é essencial para estabelecer as prioridades do Brasil para a COP30, incluindo o legado institucional que será transferido para as próximas edições. Após uma presidência controversa do Azerbaijão na COP29, Corrêa do Lago tem a responsabilidade de resgatar o multilateralismo no âmbito do Acordo de Paris, fortalecendo o papel da presidência como guardiã de um processo inclusivo e transparente", pontua uma das coordenadoras da RAC.

A pesquisadora amazônida avalia que a liderança de Corrêa do Lago será essencial no contexto da Amazônia, onde a COP30 será realizada. “Embora o presidente da COP deva agir de forma imparcial, é inegável a importância de compreender as necessidades locais da Amazônia para garantir que temas cruciais como adaptação, sistemas alimentares, financiamento climático e transições sistêmicas recebam a devida atenção. Ouvir as lideranças locais e territorializar as discussões será essencial para que o evento deixe um legado positivo e coerente com os desafios e oportunidades da região amazônica.

Também integrante da RAC, Priscila Santos, especialista em política e financiamento climáticos e Diretora Executiva da CLIMÁTICA, considera que a presidência terá o desafio de um movimento de articulação e mobilização para o evento. "A COP não é somente um evento de 2 semanas de duração, mas um processo que envolve importantes articulações antes e depois dessas semanas. A escolha de um líder sólido como presidente da COP é fundamental para garantir que a conferência tenha um bom começo, meio e fim. Esse papel exige articulação estratégica desde a preparação até os meses pós-COP, com foco na continuidade até a COP31 e, principalmente, na implementação dos compromissos assumidos. A presidência da COP30 deve ser a força motriz para aumentar a ambição climática e transformar resoluções em ações concretas, garantindo que os esforços não terminem no encerramento da conferência, mas avancem com impacto real", disse.

“A indicação do Embaixador André Corrêa do Lago como presidente da COP 30 e de Ana Toni como CEO e diretora-executiva é uma sinalização política relevante de que o Brasil está encarando este desafio com seriedade. Não podemos errar na condução desse processo, principalmente levando em conta a atual conjuntura política global desfavorável", conclui. 

Em nome da Cooperação da Juventude Amazônida para o Desenvolvimento Sustentável (Cojovem), Karla Braga parabeniza Corrêa do Lago e Ana Toni. A diretora de projetos da entidade ressalta a experiência de ambos na agenda ambiental, além de destacar o papel-chave que terão na condução de um caminho que garanta legados de direitos, principalmente para as populações amazônidas.

"Não somos apenas nós que estamos abrindo as portas de nossas casas para receber o mundo, mas também somos os moradores da maior floresta tropical do planeta, a qual é extremamente estratégica para a regulação do clima mundial. Todavia, a floresta viva depende diretamente dos nossos povos vivos e fortalecidos, por isso um legado de direitos é uma pauta extremamente cara pra gente", reitera. 

Com os resultados da COP29, Karla considera inevitável reconhecer o papel desafiador que Corrêa do Lago terá para conciliar o interesse dos países desenvolvidos e dos em desenvolvimento, além das localidades insulares. “Para que as negociações climáticas possam caminhar de mãos dadas com o fortalecimento de direitos que as populações mais vulneráveis ao longo do mundo tanto precisam para enfrentar os desafios climáticos, principalmente após o anúncio dos EUA, o segundo maior emissor de carbono do mundo, em deixar o Acordo de Paris, apresentando mais um desafio para o cenário das negociações internacionais no âmbito do Clima", finaliza.

A pesquisadora do Imazon, Brenda Brito, avalia que a escolha mostra que o governo brasileiro entende o tamanho do desafio da conferência, especialmente "num contexto de insatisfações com resultados da última COP e do anúncio da saída dos EUA do Acordo de Paris". De acordo com Brenda, "são pessoas altamente qualificadas para a tarefa de resgatar a confiança nas negociações climáticas. Espero que essa definição da presidência traga enfim o governo federal para a necessária liderança da organização da conferência em Belém, considerando os desafios logísticos na cidade e desafios de comunicação sobre o que de fato  representa uma COP de clima", afirma.

O IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) emitiu nota onde afirma que André Corrêa do Lago  "apresenta capacidade e experiência necessária e está à altura da árdua missão de ajudar o país a mediar os temas complexos, construir diálogos mundiais de alto nível e superar o desafio para construir consenso em torno da agenda climática. A COP30 colocará o Brasil no centro do debate climático e será uma oportunidade única para colocar em evidência as contribuições da ciência, das políticas públicas, de populações indígenas, comunidades locais e outros atores amazônicos na construção de um modelo de desenvolvimento que envolve conservação ambiental, inclusão social e prosperidade econômica", diz trecho da nota.

Abordagem sobre a COP30 em participação na Semana do Clima

O recém nomeado presidente da COP30 e a diretora executiva do evento participaram, em setembro de 2024, da Semana do Clima, em Nova York. No painel, André Corrêa do Lago, na ocasião, falou da importância de a ciência estar presente no debate, e que o governo brasileiro tem buscado realizar encontros entre cientistas climáticos e membros do alto escalão do governo para dar direcionamentos para as políticas públicas com essa abordagem. 

Para André, esse enfoque será um dos caminhos não somente para o evento no Brasil, mas para enfrentar outros desafios e problemas na região nos próximos anos. “Temos trabalhado e avançamos nas discussões com outros países durante os Diálogos Amazônicos, em Belém, em agosto do ano passado. O que e como o Brasil pode realmente dar contribuição efetiva para políticas mais lógicas e eficazes com relação às florestas. Estamos vendo muitas tendências negativas na Amazônia. O crime organizado cresceu enormemente, e também há crimes transnacionais acontecendo. E se você trabalha bem em um país, o crime se move para outro. Por isso, realmente precisamos ter uma coordenação muito forte entre os países da Amazônia”, avalia.

Ana também compartilha da opinião de que a ciência é indispensável na agenda de discussões, e traz novamente à mesa a relevância da conferência ocorrer na maior floresta tropical do mundo. “Não tem lugar melhor pra debater ciência e clima do que a COP30 na Amazônia e em Belém. A ciência da preservação, da restauração. A COP 30 será um desafio para todos nós, muita gente, muitos tópicos, mas temos muito o que mostrar. Temos uma oportunidade, porque temos muitos bons cientistas, e porque temos ciência tropical no Brasil, algo que poucos países têm para o foco em agricultura e uso da terra”, disse.

Perfis

André Corrêa do Lago é bacharel em economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1981) e entrou na carreira diplomática em 1982. Exerceu funções nas áreas de organismos internacionais, promoção comercial, cerimonial e energia. Serviu nas embaixadas em Madri, Praga, Washington e Buenos Aires e na Missão junto à União Europeia, em Bruxelas. O embaixador trabalha com temas de desenvolvimento sustentável desde 2001; foi diretor do Departamento de Energia (2008-2011) e do Departamento de Meio Ambiente (2011-2013) no Ministério das Relações Exteriores, período em que foi negociador-chefe do Brasil para mudança do clima (2011-2013) e para a Rio+20 (2011-2012); foi embaixador no Japão (2013-2018), na Índia (2018-2023) e, cumulativamente, no Butão (2019-2023). Desde março de 2023, é secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores. Corrêa do Lago publicou livros e artigos sobre desenvolvimento sustentável e mudança do clima e é também crítico de arquitetura. É casado e tem quatro filhos.

Ana Toni é economista e doutora em Ciência Política, e tem longa trajetória direcionada ao fomento de projetos e políticas públicas voltados à justiça social, meio ambiente e mudança do clima. Foi diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade - iCS (2015-2022), Presidente de Conselho do Greenpeace Internacional (2010 a 2017), diretora da Fundação Ford no Brasil (2003-2011) e da ActionAid Brasil (1998-2002). Foi conselheira do Grupo Gold Standard, Fundo Baobá para Equidade Racial, Light e Vibra Energia, IPAM, entre outros. É integrante da Rede de Mulheres Brasileiras Líderes pela Sustentabilidade.

COP30 – A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (Conferência das Partes), mais conhecida como COP30, é um encontro global anual onde líderes mundiais, cientistas, organizações não governamentais e representantes da sociedade civil discutem ações para combater as mudanças do clima. É considerado um dos principais eventos do tema no mundo.