Texto: Mateus Miranda, com edição de Alice Martins Morais e informações de Nilson Cortinhas
Foto de capa: Filipe Bispo
O novo modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia passa também pela literatura. É o recado passado no “Sempre um Papo”, agenda que encerrou a II Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias, hoje (8), em Belém. Moderado pelo jornalista e escritor Zeca Carmago, o bate-papo teve as presenças dos escritores Eduardo Góes Neves, Valter Hugo Mãe e Trudruá Dorrigo.
Durante a conversa, os participantes falaram a respeito de variados temas, com maior atenção à realidade brasileira, história e povos originários, diante de um auditório lotado no Hangar Convenções & Feiras da Amazônia.
Valter Hugo Mãe destacou que "o futuro não vem do pensamento europeu". Além disso, ressaltou a relevância histórica e cultural dos indígenas, além dos sentimentos renovados que tem quando está no Brasil.
"Quando venho aqui, tenho a sensação que finalmente temos a oportunidade de voltar ao início. É de fato uma coisa que vem da origem do mundo. Embora o mundo esteja ameaçado, tudo que os povos indígenas propõem é a sobrevivência", comentou Valter Hugo, escritor português, autor de "As Doenças do Brasil" e "Deus na Escuridão".
Representante indígena na conversa, Trudruá Dorrico, mestre e doutora em literatura, escritora e autora de "Originários", destacou os impactos que os povos indígenas têm passado a partir do momento que o território brasileiro começou a ganhar uma configuração de país.
A iniciativa de jornalismo Amazônia Vox realiza nesta semana sua primeira cobertura presencial e em tempo real. Contando com uma equipe de doze profissionais, serão destacados os principais pontos e debates dos painéis durante a II Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias. Confira a cobertura completa aqui.
"A gente convida o Brasil para lutar junto nessa batalha de 524 anos. Nós passamos por processos muito complexos. A chegada dos direitos indígenas em 1988 mudou muito a relação com a sociedade brasileira - para o bem e para o mal. Quando a instituição foi efetivada, aos poucos, a nossa língua makuxi foi padecendo, por exemplo. Minha avó, minha mãe falam bem, mas eu, não, [falo] fluentemente", explicou. O trabalho dela vai ser tema do Boi Caprichoso, em 2025, durante o Festival de Parintins.
"Ler e escrever a literatura indígena é uma ação que melhora a minha autoestima e identidade. Precisamos ampliar nosso debate sobre a questão racial indígena. Quem são esses povos indígenas que estão fora dessas questões éticas e raciais, que estão fora desse debate?", questionou Trudruá.
Eduardo Góes Neves é arqueólogo, escritor e autor de " Arqueologia da Amazonia". A partir dessa experiência profissional, ele ressalta a ligação que os tópicos possuem, mas que é importante priorizar o futuro.
"São mudanças drásticas, que acontecem muito rapidamente. E a nossa geração tem responsabilidade nisso. A gente trabalha com uma escala de tempo que é milenar. A gente vê muita coisa que deu certo e errado. Mas tem muita imaginação também, e ela tem que ser usada para construir um futuro melhor. O passado pode nos dar umas informações", apontou Eduardo.
"Sempre um Papo"na quinta-feira (7). Créditos: Divulgação IBRAM
Outono, Arado e Rio
Na noite de quinta-feira (7), a programação da conferência também fechou com “Sempre um Papo”, que teve como participantes os escritores da literatura brasileira Airton Souza, Carla Madeira e Itamar Vieira Junior, com mediação de Sérgio Abranches.
Todos fizeram reflexões e análises sobre a Amazônia e literatura. Autor de mais de 50 livros, Airton Souza é nascido em Marabá, e mostrou gratidão pela oportunidade de estar ao lado de escritores os quais o inspiraram. Além disso, contou detalhes do primeiro livro de romance escrito por ele.
"Com a literatura, é possível a gente sair de certos lugares e se reconectar ao seres humanos. Eu queria agradecer a vocês por isso. É um sonho da minha mãe e do meu pai realizados também. Então, o Outono de Carne Estranha é meu primeiro romance publicado. É o reencontro de 101 mil homens que abandonaram suas casas e milhares de mulheres que atravessaram o Nordeste para vir ao Pará. É uma ferida aberta, e ela segue assim, doendo", afirmou Airton Souza. A obra retrata a vida de quatro personagens que vivem no contexto de um governo autoritário.
Por outro lado, Carla Madeira, autora de vários livros, como, por exemplo, "Tudo é Rio", destacou o papel crítico e explicativo da literatura. "Por que coletivamente a gente está produzindo uma realidade diferente? Talvez o papel da literatura seja iluminar esse lugar para palpar e experimentar a condição humana. Para a gente, quem sabe, fazer uma virada e viver de uma forma diferente a nossa experiência na terra", refletiu.
De acordo com Itamar Vieira, autor de "Torto Arado", livro com mais de um milhão de exemplares vendidos, literatura e Amazônia estão diretamente interligados. "Eu sempre quando falo de literatura digo que é uma profissão de fé. É preciso se colocar numa condição de entrega completa para fazer sentido. Quando pensamos na Amazônia, pensamos nesse patrimônio ambiental. É importante lembrar que a Amazônia também é feita de pessoas, cultura. E elas que a mantiveram de pé também", falou.
Sempre um Papo
Criado em Belo Horizonte pelo gestor cultural Afonso Borges, em 1986, o Sempre Um Papo é um projeto cultural que promove encontros entre nomes da literatura e personalidades nacionais e internacionais com o público, ao vivo, em auditórios e teatros.
O projeto já realizou atividades em 30 cidades e promoveu mais de oito mil eventos, que reuniram um público superior a 2,5 milhões de pessoas. Belém recebe o projeto pela terceira vez. As duas edições anteriores haviam sido em 2007 e 2008.
Em 2024, a convite do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM), mais uma atividade ocorre dentro da “Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias” nesta sexta-feira (8). O evento vai ter as participações de Valter Hugo Mãe, Eduardo Góes Neves, Trudruá Dorrico e Zeca Camargo, às 14h, também no Hangar. Após as mesas, os autores vão autografar livros. A entrada é gratuita, mediante inscrição antecipada no site do evento.
A cobertura especial do Amazônia Vox na Conferência Internacional Amazônia e Novas Economias é um oferecimento da Vale.