ICMBio instaura emergência diante da seca extrema no Amazonas

17/10/2024 18:00

Adaptado a partir de informações de Mayala Fernandes.

 

Para evitar o cenário extremo ocorrido no ano passado, quando mais de 150 botos-vermelhos e tucuxis morreram devido à seca severa em Tefé, Amazonas, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) tem intensificado as ações de monitoramento na área. Mais de 50 profissionais, entre biólogos, veterinários e ecólogos, estão envolvidos na operação, que acontece duas vezes ao dia.

O ICMBio implementou um Sistema de Comando de Incidentes (SCI) desde 16 de setembro, para monitorar diariamente as condições dos botos na região, com foco na medição da temperatura da água e no comportamento dos animais. Até o momento, os botos-vermelhos e tucuxis têm apresentado comportamento normal em termos de nado, respiração e alimentação. A presença de filhotes sugere que, apesar das condições extremas, as espécies continuam se reproduzindo. "Os avistamentos de botos têm aumentado, inclusive fêmeas com filhotes, possivelmente devido às recentes chuvas, mesmo com o nível do rio ainda baixo", explica Karen Lucchini, bióloga e mestre em Biologia Animal pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPB).

Para saber mais sobre o tema, entre em contato com a pesquisadora Karen Lucchini, que está cadastrada no banco de fontes do Amazônia Vox.

Com a falta de chuva e o prolongamento da seca, os rios da Bacia do Rio Amazonas registraram níveis cada vez menores. Os rios Solimões, Acre e Madeira atingiram, em setembro, os menores marcos históricos, segundo o monitoramento do Serviço Geológico do Brasil (SGB). Cada um deles possui um referencial próprio de medição de nível, mas as baixas são históricas em todos.


Foto: Miguel Monteiro

Prevenção - A ação foi pensada para evitar uma repetição do que houve na seca severa de 2023, intensificada pelas mudanças climáticas e pelo fenômeno El Niño, que resultou na morte de 154 botos no Lago Tefé. Com chuvas abaixo da média, a ANA (Agência Nacional de Águas) declarou escassez hídrica em várias bacias da região, agravando o cenário para a fauna aquática. A temperatura média da água na área monitorada tem se mantido estável em torno de 31,2°C, mas o ICMBio alerta para o risco de novas ameaças decorrentes da pesca e caça ilegais.

Apesar da seca intensa em 2024, o número de mortes de animais tem sido inferior ao ano passado. Foram registradas cinco mortes de animais até o momento, sendo um filhote de tucuxi, um peixe-boi e três botos-vermelhos, todos em decorrência de ações antrópicas. “Embora a seca esteja mais intensa, as mortes registradas em Tefé estão relacionadas, principalmente, à interação com embarcações e pesca”, afirma Claudia Sacramento, analista ambiental e coordenadora de emergências climáticas do ICMBio.

 

Fiscalização - Além do monitoramento das condições ambientais, o órgão tem intensificado a fiscalização para conter as atividades que aumentam a pressão sobre espécies como o peixe-boi e o pirarucu, de grande valor econômico para as comunidades locais. “A seca também intensificou a pressão da caça dos peixes-boi, já que ficaram mais expostos e visíveis. Até mesmo os próprios botos e tucuxis foram vítimas dessa ação criminosa, considerando que eles compartilham os mesmos ambientes”, destaca Sacramento.

Durante fiscalização realizada em 24 de setembro, em parceria com o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), o ICMBio apreendeu 422 quilos de pirarucu e um peixe-boi-da-amazônia em uma feira de Tefé. A seca que atinge a região intensifica a ameaça de caça aos animais ameaçados de extinção, inclusive o peixe-boi.


Foto: Linik Soares Porto

Apoio humanitário - O ICMBio também tem atuado junto ao Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) para distribuir 150 mil cestas de alimentos para as populações ribeirinhas das unidades de conservação do Norte do país. A entrega feita no período mais crítico da estiagem busca garantir a segurança alimentar das populações tradicionais, por meio de uma distribuição eficiente dos alimentos para comunidades que estão isoladas na região pela baixa navegabilidade dos rios.

A solicitação para o envio das cestas foi feita pelo ICMBio diante dos impactos da escassez hídrica sobre as populações locais. Ao todo, serão mais de 36 mil famílias atendidas, cada uma receberá quatro cestas básicas. “Neste ano, a seca está mais intensa e severa. A região enfrenta um regime de anormalidade da variação sazonal dos rios, com baixa navegabilidade na maior parte dos acessos às Unidades de Conservação”, afirma Claudia Sacramento, analista ambiental e coordenadora de emergências climáticas e epizootias do ICMBio.

As populações tradicionais nas Unidades de Conservação do Amazonas estão cada vez mais vulneráveis, isoladas e com dificuldades para obter alimentos e água tratada. Em Tefé, no Médio Solimões, nenhuma das embarcações de linha consegue acessar o porto da cidade, já que o braço do rio Solimões, que leva ao Lago Tefé, atingiu o nível mais baixo já registrado.

“Dos 45 anos que vivo aqui, nunca tinha visto uma seca como essa. Com a água diminuindo fica difícil fazer as viagens para a cidade. Eu saio da comunidade de canoa de manhã e chego em Tefé só no dia seguinte, tudo isso para comprar um quilo de arroz e comida”, conta Raimundo de Azevedo, morador da comunidade Boa Vista do Rio Tefé.