UM PROJETO

FOTOGRAFIA POR MARCELO LÉLIS
TEXTO DANIEL NARDIN

ALTO CUSTO E FINANCIAMENTO PARCIAL IMPEDE EXPANSÃO E MAIOR FREQUÊNCIA DOS SERVIÇOS

O município de Abaetetuba possui 72 ilhas e a UBSF atende 16 delas. Outra parcela é atendida por seis unidades fixas nas comunidades e o centro urbano cobre as que estão mais próximas da cidade. O atendimento das comunidades pela unidade fluvial, porém, ocorre a cada dois meses numa mesma comunidade. Afinal, em um mês o barco passa por um lado dos rios que cortam o município e, no seguinte, pelo outro lado. 

 Foto: Marcelo Lelis

 Canoas e rabetas da comunidade atracadas no barco da Unidade Básica de Saúde Fluvial confirmam alta demanda por atendimento.

 

É aí que reside uma das principais limitações para que o atendimento pré-natal - e outros acompanhamentos médicos - realizado pela UBSF seja melhor. Uma das causas é o custo para que a UBSF possa operar. Como possui apenas uma equipe completa, precisa fazer o período de folga entre as fases embarcadas. “Uma saída para aumentar seria ter duas equipes completas, para revezar. Enquanto uma estaria na folga, a outra estaria embarcada e assim a gente conseguiria estar todos os meses nas mesmas comunidades”, afirma Clebeson Rodrigues, 31 anos, coordenador da UBSF de Abaetetuba. 

De acordo com dados fornecidos pela prefeitura de Abaetetuba, o custeio repassado pelo Ministério da Saúde é de R$103 mil por mês. Porém, o gasto mensal com a unidade ultrapassa R$190 mil, obrigando o município a arcar com a diferença para manter o serviço. 

Para a prefeita do município, Francinete Carvalho, o financiamento para cidades da Amazônia que têm comunidades ribeirinhas deve ser diferenciado. “O Sistema Único de Saúde (SUS) é maravilhoso, um exemplo pro mundo e dá tratamento universal, busca dar a equidade necessária, mas tem melhorias e aperfeiçoamentos que precisam ser observados. O financiamento por exemplo não é suficiente. Manter um médico, um dentista, um profissional qualificado de nível superior no interior não é barato e mesmo com salário alto é difícil, tem alta rotatividade. O custeio da UBS fluvial também está abaixo do que ela realmente exige para fazer o básico, sendo que poderia ter muito mais serviço”, destaca a prefeita. 

O município tem um orçamento de cerca de 375 milhões por ano e tem mais de 152 mil habitantes. O percentual aplicado em saúde no município é de 21%, acima do exigido em lei, que é de 15%. “Nossa receita própria representa muito pouco do total. Para ter ideia, 48% da nossa população vive na zona rural e nas ilhas, então, não paga imposto de IPTU, por exemplo. Dependemos de repasse, de financiamento para oferecer os serviços. A gente faz o que é possível, mas estamos tentando sensibilizar para melhorar isso”, destaca.

Além da questão da equipe, que poderia ser maior para tornar mais frequentes as viagens de atendimento, existe uma dificuldade estrutural para aumentar os serviços oferecidos. Na extensa lista de 124 itens que podem ser subsidiados pelo Ministério da Saúde para compor a estrutura de uma UBS Fluvial, não existe, por exemplo, equipamentos como ultrassom, básico para um atendimento pré-natal de maior qualidade.  

"O ideal é que a gente pudesse fazer exames aqui mesmo, como o ultrassom. E outros, mais laboratoriais. Hoje temos de recolher e levar para a cidade, para então fazer a análise, o que leva muito tempo. E nosso maior sonho é ter um laboratório fluvial, para realizar os exames aqui mesmo", destaca Clebeson, coordenador da unidade.

O atual coordenador conhece bem a região, pois nasceu e cresceu numa comunidade ribeirinha de Abaetetuba. Fez faculdade de Enfermagem em Belém e hoje atua na própria região. “A gente espera que agora, que tanto se fala na Amazônia, que o mundo observe com um olhar mais profundo nossa região, que compreenda que abaixo das copas das árvores que precisamos proteger, tem gente que necessita de muito, em todas as áreas, incluindo a saúde”, resume. 

 Foto: Marcelo Lélis

 Clebeson Rodrigues, enfermeiro e coordenador da UBS Fluvial de Abaetetuba

 

Fora os equipamentos, a estrutura de uma UBSF não prevê, por exemplo, segurança e internet. Por conta da presença dos chamados "ratos d' água" ou "piratas do rio", a unidade mantém um vigia para fazer a segurança da equipe. E, distante do centro urbano, sinal de celular é algo raro e instável. 

A comunicação depende de internet via rádio, em antenas instaladas pela própria comunidade, que paga mensalidade a provedores locais de internet. A conexão não é das melhores, mas permite troca de mensagem via whatsapp. 

"Com internet na UBSF poderíamos inserir os dados dos atendimentos, podemos estabelecer contato para telemedicina com especialistas no centro e mesmo para verificar procedimentos, analisar estudos e dar uma orientação ainda melhor, além da própria questão da segurança", completa Clebeson. 

Das 101 unidades fluviais, apenas 56 estão em funcionamento no país

A UBS fluvial de Abaetetuba é uma das 101 unidades construídas no país com recursos federais, de acordo com o Ministério da Saúde. Destas, apenas 56 estão em funcionamento: 35 no Amazonas, 17 no Pará, três no Acre e uma no Amapá. O Ministério não informou se possui planejamento para ampliar os recursos repassados. 

Em nota, no entanto, afirma que tem dado atenção ao tema da primeira infância e à cobertura pré-natal. “O Ministério da Saúde atua em diversas frentes para garantir a expansão e qualificação do pré-natal, como, por exemplo, a Rede Cegonha, que traz uma mudança importante no modelo de atenção obstétrica, visando à redução das taxas de cesárea, associadas à prematuridade; além disso, a iniciativa realiza ações voltadas ao planejamento reprodutivo e à prevenção da gravidez na adolescência, uma das causas de nascimento prematuro”, diz o texto da assessoria do Ministério da Saúde. 

O órgão informa ainda que o principal objetivo da Rede Cegonha é implementar um novo modelo de atenção à saúde da mulher e da criança, com foco na atenção ao pré-parto, parto, nascimento, crescimento e desenvolvimento da criança entre 0 a 24 meses, garantindo acolhimento e resolutividade no atendimento aos pacientes.  

“O programa é uma estratégia implantada em todo o país e conta com investimentos anuais de R$1 bilhão, além de cerca de 24 milhões de partos realizados pelo SUS desde a sua criação, sendo que o principal objetivo da iniciativa é a redução da mortalidade materna e infantil”, completa. 

Para ampliar o número de médicos disponíveis no interior da Amazônia, como Abaetetuba, o Ministério da Saúde destaca que em 2023 promoveu a abertura de mil postos inéditos para o Mais Médicos na região da Amazônia Legal no edital de chamamento publicado no começo do ano. “A ação pretende garantir atendimento qualificado às regiões mais vulneráveis e de difícil acesso, com médicos especialistas em Saúde da Família e Comunidade”, informa o Ministério.